domingo, 16 de agosto de 2015

VIETNÃ - Conto * Celso Cardoso - RJ

CELSO CARDOSO
contista, roteirista, ex livreiro
 em Niterói-Rj.
*
VIETNÃ

Largo da Carioca - uma tv pirata entrevista um menino. Ele tem uma meia de mulher no rosto, que depois de convencido que o programa não vai passar no Brasil, retira. O repórter diz:
- Fala garoto. A gente quer ouvir a sua história.
- É o seguinte: eu nasci em Bangu. Minha mãe veio grávida de mim, da Paraíba. Eu tô com 14. Meu pai não pôde mais ficar lá, por causa de negócio de seca, falta de trabalho, essas merdas. Toda vez que ele enchia os cornos ele falava essa porra. Como ele bebia todo dia, era aquela ladainha. Ele morreu quando eu tinha 10. Minha mãe diz que ele se foi com aquela doença que tem quem bebe cana todo dia. Ah, sei lá o nome! Deixou minha mãe com uma porrada de filhos, dois deles retardados. Tem um porém que eu acho que devo contar. É o seguinte ela é mais velha que eu só 13. E eu sempre tive tesão por mulher mais velha. Fiquei um mês cantando ela. Na rua eu agarro mesmo; se tô afim, vou lá e confiro na maior. Se chiar, boto o trezoitão nos cornos e tem que abrir a droga das perna, senão leva coronhada. Atirar, não atiro porque é desperdício matar mulher. Então fiquei nessa de cantação da minha mãe, por mais 15 dias. Aí um dia eu não aguentei; já tinha cheirado todas; cheguei em casa muito aloprado. E afinal eu era o homem da casa, não era? Então a dona da casa tinha que ser minha mulher. O fato dela ser minha mãe foi só um acidente de trabalho. Cheguei e botei as crianças pra fora. Vão brincar, vão brincar, porra! Gritei. E como eles tem medo de mim saíram correndo. Aí eu tranquei a porta e disse: agora é nós, dona menina. Ela ameaçou jogar uma panela em cima de mim; eu apontei o berro pra testa dela. Ela largou a porcaria da panela e começou a chorar. Disse que eu não tinha o direito de fazer aquilo, porque era seu filho e caralho a quatro. Falei com ela pra parar com aquele papo furado, porque a gente tá numa guerra, e eu não escolhi meu lado, não tive esse direito. Então esse papo de pai, mãe, é pra tempo de paz.  Eu sou um guerreiro, um general do meu exército, dou ordens. Comigo é muito simples: não obedeceu, eu queimo. Não é fácil? Então eu falei que a partir daquela data acabava a brincadeira de mãe e filho; daqui pra frene a gente é marido e mulher; e é melhor aceitar e facilitar as coisas, senão vai ficar ruim pra todo mundo. Vou começar queimando o caçulinha, que você tanto gosta. Na primeira trepada, ela fez o maior berreiro, dizendo que eu era um filho desnaturado, que eu ia pro inferno. Ela falando e eu metendo bronca. Quando derrubei ela no chão da cozinha, ela levou junto a mesa com o copo, panela e uma porrada de outras coisas e eu nem me incomodei. De repente as crianças lá fora começaram a chorar e eu fui obrigado a dar um tapa nos cornos dela, pois tava assustando as crianças sem necessidade. Nessa noite eu queimei uns três e, de madrugada, trouxe comida e dinheiro e comecei a ser tratado  como um herói dentro de casa. Eu sabia que tava certo. Eu sabia !
- Você já matou muita gente?
- Já perdi a conta. Comecei com uns 11 anos, três de atraso. Mais de 20 eu tenho certeza de ter apagado. Agora tem um negócio: se eu for em cima do otário e ele passar a grana sem chiar nem reagir, eu deixo ele ir numa boa; qualquer reação, eu queimo logo, nem converso.  Tem neguinho aí que queima à toa. São meio vampiro, adoram sangue. Eu tô afim é de grana. Já falei que tenho família. Meus irmãos agora são meus filhos. 
- Você já foi preso?
- Qual é, meu irmão? Eu sou esperto. Um monte de neguinho foi apagado ou dançou. Eu não sou otário nem faço parada com otário. Tô sempre mudando de casa, não dou bobeira. Uma vez os home foram lá em casa, eu não tava. O pessoal enrolou e alguém foi me dar o toque. Aí eu vi que tinha que mudar e tenho feito assim até hoje. E não é só os home; tem muito neguinho que caça a gente. Já troquei tiro com uma porrada deles, não marco bobeira. Só que cada vez é maior o número deles, já derrubei um monte, mas eles parece que se multiplicam.
É o seguinte; eles não tem coragem de roubar e ficam matando crianças, porque é mole. Mas pra cima de mim, não! Olha aí, tu tem certeza que essa merda não vai passar na GLOBO?
***

Um comentário:

  1. Seu conto retrata bem a realidade brasileira, em especial a do Rio Janeiro. Esse é um caminho sem volta, infelizmente.
    Um abraço.

    ResponderExcluir