sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

À Estrela / Conto * Francisca Lusia - RO

À ESTRELA
Por Francisca Lusia - RO


À ESTRELA... Linda e simples era aquela localidade chamada Estrela. Quantas lembranças, quão! Inesquecíveis, das histórias contadas pelo vô Bertoldo, ou das brincadeiras de Mãe-velha que também era Mundica, dos caminhos com areias branquinhas, ou das largas estradas e árvores imensas no caminho da escola, que caminhávamos até o distrito do Espírito Santo para assistir às aulas da Professora Juju, ou da queda de Batista no poço, ou do açaí, que nem era assim que chamávamos, e, sim. Jussara, do vinho de bacaba, ou de buriti da Carmô, todos deliciosos, e ainda, do casamento da Lolinha, foi muita confusão, e a distribuição gratuita de leite, de búfalo do Zé – pedaço, a roça imensa e limpinha de Ulisses, o chiqueiro de porco, são tantas lembranças boas, mas tem ruins também como as quedas na areia, abusos às crianças, vou contando a vocês uma de cada vez. E começarei com as histórias que Bertoldo Contava.

Em uma linda noite, dentre tantas muito especiais. Uma noite daquelas que a lua aparece e deixa tudo muito à vista, mesmo em um lugar que não tinha energia elétrica, asfalto, televisão, brinquedos e muito menos livros ou Escola. O que tinha de bom era seu povo e a tranquilidade daquele lugar, a convivência e a criatividade de Bertoldo.

Nesse momento é tão real em minhas lembranças que parece até que estou vendo agora neste instante...

Aos gritos Carmozina dizendo: -Venham todos vê, olhem, olhem para cima, são tantos... tantos pontinhos dourados, brilhantes, uma imensidão de pequenas luzes, algo inimaginável. E ao olhar para cima e veem, sorriem, admirados, quase não acreditando em o que seus próprios olhos avistavam. O céu escuro, lindas estrelas, em meio a escuridão, um lindo contraste, uma imensidão de pequenos pontos brilhantes, para todos os lugares que meus olhos olhassem, tinham pontos de luzes e comecei a girar, com os braços abertos e os olhos vidrados no céu.

Tudo bem ali, ao alcance dos meus olhos e ao mesmo tempo inalcançáveis aos meus dedos.

A areia parecia estar mais branquinha e assim as crianças começaram a brincar e a correr e a girar, brincar de esconde-esconde, passar o anel, de melancia e tantas outras brincadeiras que só precisavam do corpo e de pedrinhas para serem realizadas. Até porque brinquedo industrial por ali não existia. Mas, isso não era problema, as crianças se divertiam. Brincavam com o próprio corpo, pulando corda, de pata-cega, eram tantas brincadeiras que Mãe- velha criava. Ela era jovem mas, assim que a chamávamos, logo ela inventava alguma brincadeira, suávamos... eram tantas gargalhadas... muita alegria...

Enquanto isso, os adultos em derredor de Bertoldo ficavam e então logo... logo, lhe pedia ou uma neta ou nora ou tia ou mesmo um dos seus filhos:- Papai-velho conte- nos, uma história, e assim, ele logo atendia. O mais interessante é que nunca fora na escola e nem ler ele sabia, mas na oralidade, a aí, meu bem, Ele era um Doutor . Agora me veio à mente, o Paulo Freire, que dizia: - se tirar a criatividade de uma criança, esta, estará morta, pois, a criança do cérebro do Bertoldo...essa estava muito viva. E era história que ia e história que vinha...e assim a noite passava tão rápido, meus pensamentos estão tão vivos e agora lembrei de uma. Sei que estão curiosos(as) então, uma irei lhes contar, pois vivíssima nas minhas lembranças assim que ela está...

Bertoldo um senhor já com uma certa idade, era casado com Lusia, pensa em uma mulher linda, de cabelos encaracolados, bem pretinhos, pareciam cachos de marajá presos um no outro, brilhantes e soltos, era baixinha, magra e trabalhadeira, todos os dias ela pescava... mas depois conto sobre Ela…são tantas lembranças desse tempo de criança, que vou retornar, para aquela noite de muitas estrelas no céu escuro...

E nesse cenário iluminado de tantas estrelas Papai - velho começou a contar, nesse dia, a história de um tal de Zé ... Papai - velho, é o mesmo Bertoldo. E assim, começou a história...Um certo dia... Esse homem muito teimoso resolveu sair de sua cidade e buscar a vida lá fora, despediu-se de sua família e uma bolsa com seus pertences, colocou-a nas costas e saiu, estrada a dentro. De passo em passo foi indo. E no meio da floresta por onde ia, tranquilamente e assobiando. De repente, avistou uma serpente, que tirou - lhe do prumo, então, puxou pelo facão, mas, a cobra era veloz, quando ele nem pensou, para o mato, se arrastou. Ele não sabia se corria, ou agradecia, para todos os santos, rezou e seus agradecimentos foram tantos que até de joelho ficou. Mas, quando nem esperava os seus olhos abriram e então, adivinhem o que viu?

Era a bendita serpente e trouxe outras três e ele pensando e rezando, a Deus, aos Pajés e a todos que pudessem lhe proteger, e pensava, agora o que faço? Só tinha uma fração de segundos, como sobreviver? Eram tantas serpentes que estavam a lhe encarar. Como se estivessem lhe desafiando. Então, ele resolveu ficar parado, apenas olhando e encarando. E não é que deu certo! como se notando a sua insignificância nem deram importância, todas para a floresta voltaram. 

Dessa vez que rezar que nada. Zé danou-se a correr estrada a dentro, era uma estrada de cascalho, ao lado só muitas árvores, centenárias, e perna pra que te quero, de tanto correr o Zé chegou, bem longe. Em um lugarejo e já com muita fome, buscou se hospedar para dormir aquela noite e depois recomeçar.

Na hora do jantar o dono da casa, com ciúme de sua esposa, falou para o Zé quero lhe desafiar. E sem entender direito o Zé perguntou:- Como assim? E o senhor retrucou: - Estás com medo? Medo de que? Falou o Zé. De perder? respondeu o homem. E zé de forma convincente. Exclamou: – Não, quero logo é entender a sua proposta. E, Então, o homem todo áspero logo se expressou: - vamos fazer uma aposta e quem perder perderá o lombo e assim, aconteceu, porém o dono da casa perdeu... e Zé, percebeu que de tanta vergonha o cara quase enlouqueceu. 

Ao passar a noite, assim que amanheceu, Zé se escafedeu, pensando vá que esse doido invente outra ou descubra que a sua esposa lhe embriagou e comigo foi passar a noite, aí estaremos é mortos. 

E assim. O Zé pedaço sua viagem continuou, muitas caminhadas longas e até chegar em outro vilarejo, grandes amigos fez pelo caminho, muitos desafios e situações que nem valem apena contar o cara parecia azarado, era cada coisa a todo momento, sua vida por um fio, às vezes, salva, por um soluço, outras por um espirro, homem mulherengo, parecia que chamava encrenca. Mas o pior ainda estava por vir no lugarejo que chegou só gente mal encarado encontrou. Ficou cabreiro, nem ali queria mais pousar, mas, por conta da distância e medo de onça e de outros animais.

Ele resolveu encarar o desafio. Perguntou bem alto: -onde tem um local para dormir e de repente todos ali pararam de jogar e passaram apenas a olhar para ele que já meio sem graça, exclamou: - gente só quero uma informação, onde tem uma pousada ou outro lugar que eu possa dormir? E nenhuma resposta obteve, resolvera continuar a caminhada, até que passou por um portão e saindo do outro lado todos começaram a correr e então meio sem entender Zé olhou para trás e avistou um muro e nele estava escrito em letras imensas “Cemitério das almas perdidas” e só assim, Zé entendeu muitas coisas, retirou o lombo do homem e não saiu sangue, comeu comida que pareciam voar, mulher que dormiu com ele e não conseguiu seguirá – lá . Zé ficou muito assustado. 

Já sem saber o que fazer começou a gritar: - quero um hotel, durmo e como e depois seguirei em frente. Alguém pode me ajudar? 

E de repente, um grito rompe o silêncio. Era a Vó Lusia: -Vão todos para suas casas, dormirem, que já está tarde. Amanhã venham que tem mais no estoque de Bertoldo...E, assim, todos tomaram a benção e saíram.

Tomar a bênção era o costume de todos lá na Estrela, os filhos, parentes e amigos, os mais novos tomavam à benção dos mais velhos, era uma formar de respeito e sair com a benção de proteção. Geralmente diziam sua benção pai ou mãe ou tia/tio e a resposta era Deus te abençoe ou Deus te proteja. E assim faziam quando chegavam na pajelança e encontravam o Pajé que se chamava Gregório, Ele era o Drº daquele lugar. Bom mas essa é mais uma que depois lhes contarei. 


Francisca Lusia, nome literário da contista Francisca Lusia Serrão Ferreira, maranhense de Pinheiros, há trinta anos radicada em Porto Velho - RO.
Contato: franciscaserrao13@gmail.com 
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