terça-feira, 2 de março de 2021

O REINO * Eliezer Rogério Pereira da Rosa / SC

O REINO

 Eliezer Rogerio Pereira da Rosa/SC

 

Quando aquele povo gemia seu sofrimento, cantando suas dores em lamúrias babilônicas, em harmonias dissonantes com nostalgia de um tempo em que foram felizes...O povo clamou pela sensatez. Ao perguntarem ao ancião quem reinaria...ele declarou: - Penso que a sensatez deve prevalecer diante desse cenário. Devemos pensar e agir com lucidez sempre, sob pena de não reverter a situação ou até auxiliar a progressão do mal. Talvez não conseguiremos contentar a todos, mas é fato que faremos a nossa parte no que pudermos alcançar. E sempre é possível alcançar um pouco mais do que achamos estar ao nosso alcance, se pelo menos tentarmos. E eles acreditaram que o Homem sensato, prevê o mal e faz de tudo para evitar um confronto desnecessário. A sensatez quer reinar, mas nem sempre, a voz da sensatez está para ser ouvida em todos os cantos do reino. Há tantas cavernas e porões, há tanta escuridão onde pode haver ajuntamento da loucura mais temível, o brilho do outro, há tanta sede de poder pelo poder, e todo o mal cria raiz no coração dos homens...  

E o reino dos homens sensatos passou, e os bobos da corte, governaram. Em nome do riso, em nome da graça, uma desgraça para aliviar as dores. Contudo, todos palhaços muito sérios, iludidos e compenetrados, é claro. Desde então estava proibido rir dos seus feitos como acontecia num passado não muito distante. Pergunto-me se algumas vezes a sensatez não é apenas mais um truque dos palhaços disfarçados.. E foi assim que o povo teve medo quando eles tiraram suas máscaras. Do que estávamos reclamando? Nós pagamos o preço, contratamos o espetáculo por um alto custo, e é direito nosso assistir ao espetáculo das nossas ilusões. Reina agora no coração, a aflição. E que venha o choro, e o riso somente será permitido às escondidas, o riso será a resistência, no escuro, nos campos distantes, revolucionários da alma, mas com pouca reflexão. Mas se nós realmente compreendêssemos, não haveria razão para o riso, o caos se aproxima, leia as ruas...

Um sábio deixou seus aposentos, estava confinado há tanto tempo que sua barba branca chegava até o cinto. Ele saiu para anunciar um novo tempo. Alguém se lembrava dele, era jovem quando se retirou para sua clausura, agora as marcas do tempo escreviam poesias em sua pele. E ele havia transcrito em seu próprio corpo uma mensagem para todos transformar. Restava a dúvida se havia lido em um livro, ou eram suas próprias reflexões, e assim dizia, ou gritava seu próprio corpo: Tempos difíceis fazem homens fortes, homens fortes fazem tempos bons, tempos bons fazem homens fracos. E assim, clamaram por um Rei Forte. Os guardiões disseram: - Na atual situação, o mal nos alcançou e lamentamos, mas é melhor ser governado por soldados guerreiros. E por inteiro, o povo clamou o mantra poético de um sábio atemporal, que veio como um refúgio em meio ao vendaval.

E o reino dos palhaços passou, e os guerreiros governaram. Contudo soldados marcados, feridos e experimentados na batalha. Para surpresa de alguns, Sensíveis! Mas ao mesmo tempo, imponentes. E nós obedecíamos suas ordens, respondíamos bem aos seus comandos. Nos ensinaram o valor da disciplina, de uma vida regrada, os comandos de marchas tocadas ao som de trombetas e gritos de amor ao reino, conduziam nossas formaturas, bailes, festas e sintonizavam uma canção ao nosso coração tocando nossas vidas. Do amor à nossa crença, parecia um resgatar de um valor há muito perdido. Um soldado entrou num templo abandonado e encontrou nossa bandeira empoeirada, e os mais jovens se perguntavam, que símbolo era aquele. Os mais idosos choraram e festejaram, e o velho sábio voltou para seu confinamento, quem sabe pensando sobre a necessidade dos homens por símbolos. Mas os soldados se cansaram de conduzir o reino, haviam engordado. E as almas se fatigaram da ordem e disciplina, queriam liberdade...ir além das coleiras e fronteiras que julgavam opressoras. Democracia! gritou a multidão enfurecida, e um camponês tinha umas 5 espadas, o comerciante disse ter alguns escudos que pertenciam à sua família, alguém criou uma ordem secreta e a conversa ficou belicista. Não demorou para que um jovem que tinha estado aos pés de um sábio que fora banido do reino, gritou: Revolução! E o eco das ruas...devolveu, Revolução, Revolução, Revolução!E e alguns ainda pediram, que tenham coração...

E o reino dos soldados passou, e os livres pensadores governaram. Porque pensadores livres tinham a mente aberta, coisa rara de se encontrar em dias cinzas. Pensadores muito sensatos, e muitos ponderaram como eles, e seguiram seus passos, não tencionaram consequências, criaram uma lenda, derrubaram alguns templos, e com as pedras produziram um mito real, palpável, que os olhos podem ver as mãos podem tocar sem serem mortos. Conquistaram os mestres e os discípulos. Os pensadores alargaram as fronteiras do reino, conquistaram terras que os soldados nunca chegaram, enterraram velhos pensamentos e fizeram nascer no meio do povo a luta pela liberdade a qualquer custo, a ideologia era maior que a vida humana.  Mas qualquer custo, pode ser caro demais, pode ser tarde demais para voltar... Assim como o mal, o bem tem suas raízes no coração dos homens. Remanescentes sobrevivem, ainda que calados. Outros pensamentos começaram a brotar nas regiões montanhosas do reino. Os pensadores minimizaram -  Não há de ser nada, não nos preocupemos, são homens da montanha, seres desprezíveis, estão sempre elevando o pensamento, fazendo orações, cheios de misticismo, e não costumam descer ao reino. Um mal que trataremos em breve. Haviam pensamentos sobre a origem do reino, que se confrontavam entre os filósofos, sacerdotes e alquimistas. Quando se assentaram para chegar a uma conclusão, o reino se dividiu. O mal tem suas raízes. Foi quando iniciou a revolução, e as armas e ideias chegaram nas montanhas, e os montanheses que eram pacificadores, começaram a sentir dores. Dores de parto, a brisa deu lugar a ventos impetuosos, e eles ouviram a voz do vento. Corações se unificaram como um só homem, e um só homem estava pronto para descer e enfrentar os gigantes. E o sangue jorrou no reino quando o pensamento contrário estava proibido. Em nome da liberdade, esqueceram a fraternidade. Todos deveriam ser iguais, mas qualquer igualdade diferente do discurso não seria permitida. O poder estava centralizado, e a legitimidade do poder pelo império do saber, estava sendo questionado em cada vilarejo do reino...novos tempos estavam chegando...

 Homens da montanha não reinavam, eles queriam voltar para seus lares, quase puritanos, mas não insanos. E o reino dos livres pensadores passou, e os trabalhadores governaram.  Eles pintavam um novo mundo, consertaram o que fora quebrado pela guerra, levantaram as edificações do reino que haviam sido quebradas nos confrontos. Mais do que paredes, eles reconstruíram a segurança do reino. Não havia mais pontes, portas, nem qualquer esperança para as crianças. Cultivaram os sentimentos que faltavam, alimentaram todas as casas com sementes e forneceram comida, roupas e espadas. Espadas que nem foram necessárias, pois por um tempo a paz reinou. Até que um homem ocioso que vivia peregrinando nas terras prósperas herdadas pelos soldados, e se alimentava sempre do fruto do trabalho alheio, resolveu gritar em nome de um velho pensamento que ainda sondava o seu coração. Seria mais uma vez a raiz do mal? Não conhecíamos sua história mas ele proclamou que as pessoas eram exploradas, que não precisavam se sujeitar, dar seu sangue pelo reino sem serem reconhecidos. Que eles estavam construindo celas para o seu corpo e sua consciência, que as paredes, os muros seguros eram parte do domínio de suas liberdades. Então o Grito ecoou - Sejam livres! Disse o pensador ao trabalhador. E verdade ou mentira, ninguém gosta de ser enganado. Foi quando eles começaram a usar mais a espada do que suas ferramentas de trabalho. E quando a espada reina, reinam os fortes, os homens perdem sua humanidade na guerra. Ninguém se lembrou das histórias contadas sobre a guerra, tão pouco do choro de quem viveu. Não demorou muito para vir a fome, para que os homens perdessem o sentido, e o ódio fosse promovido. Logo, o reino estava dividido e vilarejos construíram prisões para seus irmãos. Os monstros humanos habitavam algumas florestas, e nem a inocência das crianças fora preservada.

 E o reino dos trabalhadores passou, muralhas ao chão, quem poderia governar com o coração? E os poetas governaram. Os poetas fomentaram revolução, conquistaram as cidades de pedras, fizeram chegar água em terra seca, deram sentido para as ideias dos pensadores, abriram as prisões e deram liberdade aos que haviam enterrado a esperança. Envolveram os soldados com palavras de coragem, fizeram ligar todas as estradas em nome do amor.  Pediram que os pintores dessem uma nova cara para o Reino, pintaram as pontes, os telhados, o templo, o palácio, e as portas da cidade, até os de tenra idade, agora escreviam cartas em nome da poesia. Os filósofos enviaram textos que escreveram junto com os sacerdotes, que foram inspirados nos relatos dos soldados e aprovados pelos trabalhadores. O poema convocava os homens sensatos e os pensadores a se juntarem no palácio para que em nome do Reino o Livro fosse escrito. Para isso um grande banquete foi realizado, e os que sempre serviam agora foram servidos, os que sempre eram servidos estavam limpando e cozinhando, e oferecendo conforto para quem chegava de longe para a festa. E mais que boa comida, saborearam palavras. E cada palavra trazia brilho nos olhos, alegria ao coração. Houve trégua, apertos de mãos, selado a união. Um pacto de sangue entre irmãos, para um livro sobre perdão, pois haviam muitas feridas abertas nos corações. O escrito selado por aliança dizia: Os poetas são todos motivadores de sonhos, nos fizeram recordar a esperança e sonhar com liberdade, mas sem esquecer a responsabilidade que um soldado apresentou. Os livres pensadores concordaram em ceder de suas verdades e os trabalhadores e soldados ajudaram a fazer mudanças em segurança. Os sacerdotes propuseram que os homens da montanha haviam se retirado também fossem convocados. E todos concordaram pois a montanha também era reino. Mas eles não desceram. Mandaram um recado pelo mensageiro, que apenas um homem iria descer. E ele chegou. Desceu a montanha e adentrou as ruas da cidade com seus pés feridos em espinhos, carregava um alforje e seu aspecto era de um peregrino com fome e sede, suas mãos calejadas, apoiado em seu cajado. Uma entrada nada triunfal mas na porta do palácio, as crianças o rodearam, ele se ajoelhou para receber um abraço. E foi aquele abraço que tirou todo o cansaço de sua jornada. No banquete, foi convidado a tomar lugar à mesa no lugar de honra, que há muito não era ocupado. Havia uma tentativa de gratidão, reconhecimento e um convite para um tipo de redenção. Ele se assentou e rejeitou comer qualquer coisa. Estava em silêncio, e ao ouvir sobre a inscrição do livro do reino, apenas consentiu com a cabeça. Um sacerdote se aproximou com o livro para que ele pudesse assinar, mas ele fitou os olhos do sacerdote. Parecia ter um universo no seu olhar, o sacerdote se afastou, o homem tomou o livro, mas não a pena e a tinta. Folheou as páginas atentamente e uma lágrima desceu em seu rosto. Que memórias? Teria ele se visto no Livro? Teria ele visto todas as dores, vitórias e glórias, derrotas, vidas perdidas e reinos desmoronados? O amor se perder em meio ao ódio? A inocência mergulhar na maldade? Bem próximo a ele estava um soldado e um trabalhador. Ele tirou de seu alforje um pedaço de pão e estendeu ao trabalhador. Estendeu a mão ao soldado e pediu sua espada. Todos estavam em silêncio e observavam com atenção. Ele tomou a espada e cortou a palma de sua mão. Com a outra mão colocou seu sangue na ponta do dedo e escreveu no livro. Após, fechou o livro e colocou na mesa do banquete. Pela primeira vez, estava sorrindo. Assim, ficava estabelecido que de agora em diante haveria mais harmonia e muita poesia. As pessoas acreditaram que o amor reinaria, e o amor, é a sensatez humana.  

Estava feito! Para cada dia havia uma poesia que dava uma direção para cada um de uma forma muito singular. O Reino prosperou, o mal recuou, o amor fluiu e o povo se alegrou. Quando a poesia preparou o reino da sensatez no reino dos homens.

            A poesia por si só não reinaria absoluta sem a sensatez. A altivez dos homens seria abatida. Eles compreenderam que a melhor arma contra a ignorância filosófica e a insensibilidade sacerdotisa das camadas religiosas, a loucura da sabedoria, precisa ser controlada pela poesia. Agora, um coração poetisa  sensível ao povo e suas necessidades, mergulhando com maestria aos anseios e desejos mais profundos da alma humana.


AUTOR:  Eliezer Rogerio Pereira da Rosa - Jaraguá do Sul - SC
erogerio.p17@gmail.com