SINAL VERMELHO
Para que serve o sinal de trânsito? À primeira vista esta é uma pergunta idiota, não é mesmo? Mas eu tenho observado que ele serve para mil e uma utilidades (outros diriam futilidades). Refiro-me especificamente ao sinal vermelho: PARE.
Todos param, a não ser um ou outro apressadinho irresponsável. Parados, muitos aproveitam aqueles segundos preciosos para realizar alguma tarefa secundária, quase sempre no celular, que hoje já é parte integrante do corpo humano: cabeça, tronco, membros e...o celular. Fazem ligação, pesquisa, mandam mensagens, tudo o que eu (até pela idade) não consigo fazer quando tenho o volante nas mãos, mas muitos conseguem.
Mas não é só isso. Aquele tempinho serve também para comer uma fruta, acender um cigarro, pentear o cabelo, ajustar o banco e – melhor ainda - para os namorados trocarem um beijo apaixonado (ah, o amor combina com qualquer sinal: vermelho, amarelo, verde...).
E quando eu achava que a lista já estava completa, pelas observações anteriores, deparei ontem, na Avenida Contorno, com outra utilidade do sinal: a maquiagem. E não foi um simples retoque no cabelo ou nas sobrancelhas, não. Como eu estava imediatamente atrás do seu carro, deu para ver que a operação da motorista foi complexa e com várias fases. Base, corretivo, pincel, delineador, sombra, pó compacto, batom, blush... Enfim, todo o arsenal de um salão de beleza. Por isso, ela precisou de uns quatro ou cinco sinais vermelhos para concluir o processo de embelezamento. Deve ter valido a pena, pelo sorriso de satisfação que o indiscreto espelho retrovisor me mostrou.
Só que, logo após, a chuva recomeçou. E no sinal vermelho seguinte, o galho de uma árvore desabou sobre o capô e se prendeu no limpador do para-brisa do carro da moça, impedindo que ele funcionasse.
Reaberto o sinal, sem enxergar direito, ela não se moveu e, então, começou o buzinaço, pois o brasileiro sabe usar mais a buzina do que a seta. Ela vai ter de descer, pensei, e, aí, adeus maquiagem. Vai por água abaixo, literalmente.
Então, num impulso, quando ela já ia abrindo a porta do carro, eu saí do meu Fiat, agitando os braços e, com certa dificuldade, desembaracei o limpador. Estava com roupa leve, de caminhada, mas, ainda que estivesse de terno e gravata, eu o faria. Não seria justo aquela musa perder o encontro amoroso, a entrevista de emprego ou festa de aniversário, seja lá o que for, por causa de um galho intruso que resolveu cair na hora errada, no veículo errado.
E ela ficou tão agradecida que me atirou, com a palma da mão, um beijo delicioso. Deu até para sentir o gostinho do batom que ela havia acabado de passar nos lábios.
Eu fiquei todo molhado, é verdade, mas com a sensação de que havia praticado a boa ação do dia. Senti-me até no direito de avançar um sinal amarelo para chegar em casa mais rápido e secar o corpo.
Agora só faltava o sinal verde, à noite, para tomar um bom vinho, em boa companhia.
E foi assim que eu fechei o domingo: no vermelho, no amarelo e no verde.
E confesso: valeu a pena.
Antônio Francisco Pereira / MG
Bravo!
ResponderExcluirParabéns,poeta.i
Imaculada
Muito bom poeta. Este cerebro seu num envelhece mesmo. Cada dia uma cronica melhor que a outra
ResponderExcluirBons fluidos ... Ops, bons sinais
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