quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

2 Contos * Ronilson de Sousa Lopes - MA

* 2 CONTOS *
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Ronilson Lopes
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O COCAL
Ronilson Lopes


Era uma vez, uma família que vivia no cocal. Disse meu tio Joarez, ao iniciar uma estória, a qual eu nunca descobri quem é, de fato, o autor ou se a narrativa é verdadeira. Eu tinha sete anos e morava na fazenda Grotão, no município de Carolina no Maranhão, onde meu tio estava construindo um curral de gado e reconstruindo uma parte da casa do patrão do meu pai. Portanto, depois do jantar deitávamos em redes e comíamos milho assado, que minha mãe Oneide e meu pai Antonio colhiam na roça enquanto o tio contava seus causos. 
Essa família foi apanhar coco babaçu na floresta, continuou ele, e, uma jovem mulher se afastou do grupo, perdendo-se na mata. Como se sabe, muitas pessoas vivem de quebrar coco para tirar o óleo e vender. 
A mulher gritou os demais membros do grupo mais não foi ouvida. Ela continuou caminhando tentando encontrar o caminho de casa ou alguma trilha, enquanto os últimos raios de sol se escondiam por traz das palhas das palmeiras
A jovem mulher continuou gritando: - Oooooooou! Ooooooou! Tô perdida! Ooooooou! Quando ouviu ao longe um grito: - Ooooou! Ooooou! O caminho do perdido é pra cá. O caminho do perdido é pra cá. Ao ouvir a voz que ecoava na floresta ela seguiu na direção da voz. 
Alguns minutos depois ela encontrou um velho. O qual lhe conduziu a sua casa. Meu tio não deu detalhas, porém imagino que uma casinha simples, de chão batido, coberta de palha coco e cercada de talas de buriti. 
A moça queria seguir viajem, mas o velho a convenceu de ficar aquela noite. A note é muito escura e há muitos bichos na floresta. Quando chegou a hora de dormir o velho disse que só tinha ume rede. A moça falou: - não tem problema, eu durmo no chão! Não, retrucou o velho, há pulgas, dorme comigo na minha rede. E assim, a mulher deitou-se com o velho.
Não tardou muito o velho começou a dizer – alise bem minha barbinha, alise bem minha barbinha, alise bem minha barbinha.... e, assim a noite se passou. Quando amanheceu o velho levou a mulher em direção a sua casa.
Quando chegou em casa o marido quis saber o que havia acontecido. A mulher contou a história. O homem não gostou muito do que tinha ouvido. Por isso, pensou em uma estratégia para vingar-se do velho.
Vestiu-se de mulher. Colocou uma saia, pós enchimentos em um sutiãs, amarou a cabeça e pós um chicote em baixo da saia. Quando estava na floresta, fingiu-se de perdido e começou a gritar. Ooooou! Ooooooou! Tô perdido. Não tardou, ouviu a voz que respondia: Oooooou! O caminho do perdido é para cá. 
O homem foi em direção da voz. Logo encontrou um velho, o qual o levou para sua casinha. Quando chegou a noite o homem, disfarçado de mulher, quis deitar-se chão, no entanto, o velho disse a mesma história, que havia pulgas, e, portanto, que deitasse com ele na rede.
Assim foi feito. Não tardou, o velho disse: - alise bem minha barbinha... - alise bem minha barbinha. O homem arrancou o chicote que havia escondido por baixo da saia e agarrou na barbicha do velho e desceu o chicote dizendo: - ainda vai mexer com a mulher alheia? Ainda vai mexer com a mulher alheia?
 Dessa forma, o velho nunca mais quis saber de deitar-se com a mulher dos outros. 
Faz mais de trinta anos que ouvi essa história. Desde então ela numa saiu da minha cabeça. Toda vez que a reconto eu percebo sua riqueza de detalhes e me faço muitas perguntas ao preenchê-la em minha mente as lacunas, principalmente ao lembrar aqueles momentos mágicos da minha infância quando meu tio contava essa maravilhosa estória. 


MÚRMURIOS


Há coisas que acontecem sem explicação e sem qualquer entendimento, estas tais só devem ser ditas aos psicólogos ou aos próprios loucos porque de fato fogem a compreensão dos demais.
Uma dessas experiências que me ocorreu eu nunca soube ao certo se dormindo ou acordado, visto que eu acabara de adentrar em uma avassaladora melancolia que não encontrava outro remédio para suportar a existência, a não ser ingerir muita vodka.
O certo é que, estando eu em meu escritório no terceiro andar, quando ouvi certo barulho vindo do andar de baixo, fiquei assustado, de certo a minha fábrica pode estar sendo invadida, pensei. Apanhei uma lanterna e desci as escadas, devagar, com cuidado.
Conforme descia notei que havia vozes, as quais se expressavam numa linguagem, para mim, quase incompreensíveis.
Intensificava-se mais, pelo visto à cozinha e o depósito estavam cheios de murmúrios.
Aproximei-me da cozinha, notei vultos que rondavam ao redor da mesa, outros que se sentavam nas cadeiras e gesticulavam numa espécie de discussão.
Tive medo e subi devagarzinho, na ponta dos pés, liguei para a polícia, o guarda veio e não encontrou absolutamente nada, ainda me recordo de sua expressão crítica:   
– Quer dizer que havia em sua cozinha um grupo de pessoas conversando? 
– Sim, claro... Quer dizer, evidentemente senhor! 
– Qualquer coisa chame o psiquiatra.
Logo que se foi o guarda, continuei sem sono, o tempo demorava passar, e, por desgraça os rumores retornaram.
Fiquei temeroso e enraivecido ao mesmo tempo, apanhei novamente a lanterna e desci na ponta dos dedos. Enxerguei os vultos e de uma só vez foquei a luz da lanterna. Adivinhem só, haviam um montão de vassouras, porém, quando me viram correram, umas para trás do armário e outras para o porão.
Nos últimos dias a minha cabeça não parava de girar, no entanto, tal estado não me impediu de continuar bebendo, me ajudava, visto que, eu nem mesmo sabia se estava acordando ou dormindo.
Outra noite ouvi, novamente, os rumores, enraivecidos, desci ao porão, uma vez lá fui surpreendido por um bando que me agarrou e fizeram-me sentar á mesa. Com isso já estavam me assustando, no entanto iria ficar mais surpreso ainda ao saber o que o bando queria.
Vassouras. Eram vassouras sonhadoras, que queriam não só varrer e morar atrás da porta ou com os entulhos do porão escuro e cuidando de minha fábrica que mais parecia um mausoléu mau assombrada. 
Queriam casa, moradia, arte, estudo, pão na mesa, melhores salários, uma redução no tempo de trabalho, estudo, saúde e, além de tudo, dignidade.
Dignidade? Olham só, eu sorri, e com esse riso as deixei furiosas.
Vocês são vassouras! Nada mais que isso. O que estão pensando?! Nada mais que isso. Olhem para vocês, não se esqueçam, eu sou o vosso dono, eu mando que varram, e vocês varrem, nada a mais. 
Saí, deixando-as de olhos esbugalhados.
Naquela semana sentia que elas continuavam tramando qualquer coisa contra mim, pensei: vou tomar providencias, é necessário.
Elaborei um plano e fiquei a espera.
Até que as ouvi, naquele dia: vassouras uniu-vos! Chamei os rapazes, a tropa.
A tropa entrou e desceu o cacete para cima, a repressão.
Depois de um tempo, entrei na sala. Que susto. Estavam estiradas, eram vassouras, não totalmente, mas eram, toquei suas mãos, grossas, calejadas, seus corpos endurecidos, olhos esbugalhados, corpos magros. Eu dei dois gritos: vassouras, ao trabalho!
O capitão, pelo jeito um homem rígido, acostumado a reprimir qualquer tipo de bicho, mas, mostrou-se compadecido, no entanto eu disse: Quem se importa! São vassouras, inúteis vassouras, custam pouco, alguns trocados, elas nem ao menos sabem quanto custam, se soubessem talvez fossem mais caras, porém, não sabem, o que sabem é varrer, limpar salas, corredores, são vassouras, inúteis vassouras.


RONILSON DE SOUSA LOPES
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Nascido em Carolina – MA, passou sua infância na cidade de Goiatins no Estado do Tocantins.  Licenciado em Filosofia pelo Instituto Santo Tomás de Aquino – ISTA. Possui Pós-Graduação em Metodologia do Ensino de Filosofia e Sociologia pelo Centro Universitário Barão de Mauá.
Atualmente é Mestrando em Estudos Literários na Universidade do Federal de Rondônia – UNIR. É professor de Filosofia do Instituto Federal e autor do Livro Cartas filosóficas: diálogos entre amigos pela Editora Scortecci em parceria com o escritor João Uilson. Também é escritor do livro de cordel O Fofoqueiro e de vários folhetins desse gênero.
Mais Ronilson


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