quarta-feira, 20 de abril de 2022

SINAL VERMELHO * Antonio Francisco Pereira / MG

 SINAL VERMELHO



     Para que serve o sinal de trânsito? À primeira vista esta é uma pergunta idiota, não é mesmo? Mas eu tenho observado que ele serve para mil e uma utilidades (outros diriam futilidades). Refiro-me especificamente ao sinal vermelho: PARE.

     Todos param, a não ser um ou outro apressadinho irresponsável. Parados, muitos aproveitam aqueles segundos preciosos para realizar alguma tarefa secundária, quase sempre no celular, que hoje já é parte integrante do corpo humano: cabeça, tronco, membros e...o celular. Fazem ligação, pesquisa, mandam mensagens, tudo o que eu (até pela idade) não consigo fazer quando tenho o volante nas mãos, mas muitos conseguem. 

     Mas não é só isso. Aquele tempinho serve também para comer uma fruta, acender um cigarro, pentear o cabelo, ajustar o banco e – melhor ainda - para os namorados trocarem um beijo apaixonado (ah, o amor combina com qualquer sinal: vermelho, amarelo, verde...).

     E quando eu achava que a lista já estava completa, pelas observações anteriores, deparei ontem, na Avenida Contorno, com outra utilidade do sinal: a maquiagem. E não foi um simples retoque no cabelo ou nas sobrancelhas, não. Como eu estava imediatamente atrás do seu carro, deu para ver que a operação da motorista foi complexa e com várias fases. Base, corretivo, pincel, delineador, sombra, pó compacto, batom, blush... Enfim, todo o arsenal de um salão de beleza. Por isso, ela precisou de uns quatro ou cinco sinais vermelhos para concluir o processo de embelezamento. Deve ter valido a pena, pelo sorriso de satisfação que o indiscreto espelho retrovisor me mostrou.

     Só que, logo após, a chuva recomeçou. E no sinal vermelho seguinte, o galho de uma árvore desabou sobre o capô e se prendeu no limpador do para-brisa do carro da moça, impedindo que ele funcionasse.

     Reaberto o sinal, sem enxergar direito, ela não se moveu e, então, começou o buzinaço, pois o brasileiro sabe usar mais a buzina do que a seta. Ela vai ter de descer, pensei, e, aí, adeus maquiagem. Vai por água abaixo, literalmente. 

     Então, num impulso, quando ela já ia abrindo a porta do carro, eu saí do meu Fiat, agitando os braços e, com certa dificuldade, desembaracei o limpador. Estava com roupa leve, de caminhada, mas, ainda que estivesse de terno e gravata, eu o faria. Não seria justo aquela musa perder o encontro amoroso, a entrevista de emprego ou festa de aniversário, seja lá o que for, por causa de um galho intruso que resolveu cair na hora errada, no veículo errado.

     E ela ficou tão agradecida que me atirou, com a palma da mão, um beijo delicioso. Deu até para sentir o gostinho do batom que ela havia acabado de passar nos lábios.

     Eu fiquei todo molhado, é verdade, mas com a sensação de que havia praticado a boa ação do dia. Senti-me até no direito de avançar um sinal amarelo para chegar em casa mais rápido e secar o corpo.

     Agora só faltava o sinal verde, à noite, para tomar um bom vinho, em boa companhia.

     E foi assim que eu fechei o domingo: no vermelho, no amarelo e no verde.

     E confesso: valeu a pena. 


     Antônio Francisco Pereira / MG

segunda-feira, 18 de abril de 2022

Indígenas, a cidade e a via láctea * Eni Carajá Filho / MG

Indígenas, a cidade e a via láctea

Eni Carajá Filho / Jokãntyhy - MG


A Via Láctea é uma galáxia espiral, da qual o Sistema Solar faz parte. Vista

da Terra, aparece como uma faixa brilhante e difusa que circunda toda a

esfera celeste, recortada por nuvens moleculares que lhe conferem um

intrincado aspecto irregular e recortado. Wikipédia

Constelações: Orion, Sagittarius, Scorpius, Canis Major, Ara, Carina, Auriga

Era apenas uma garota com sonhos de lugares inimagináveis, queria ela explorar as belezas da via láctea, lugar que ela ouviu falar durante uma roda de prosas na fogueira em sua aldeia de origem, entre seus parentes sentados num tronco de árvore e na fogueira sentia o cheiro prazeroso da fumaça vinda de madeiras cheirosas com aquele tom aromático da casca e das folhas da canela exala como se defumasse plenamente aquele ambiente.

Percebia com muita preocupação que suas tias, tios, e primas e primos e outros parentes que eram muitos estavam só diminuindo em sua volta, ao redor, e parecia que eles não mais existiam.

Indagava para si mesmo qual era o significado de tudo isso, inocente ainda pensava que eles também já a deixara e fora curtirem a Via Láctea e não levou ela por ser muito novinha ainda, deixaram de convidar, estava até conformada que seu dia de conhecer essa maravilha que a sua mente registrara, chegaria.

Um dia essa menina, que se chama Marayny Carajá ficou espantada, pois havia saído de sua aldeia com seu pai para buscar querosene para as lamparinas e lampiões e chegando na cidade via pela primeira vez uma televisão, sim aquelas Telefunken de válvulas eletrônicas, tubo e encaixadas na madeira envernizada.

Mas seu espanto não foi ver a televisão em cima de uma Mesa a altura da cintura e com rodinhas, mas estava ligada e justamente passava uma reportagem sobre vivência de indígenas naquela cidade e coincidentemente quem estava sendo entrevistada era sua parente, a prima Anauerê Carajá, que fora uma das que sumiram na aldeia e era imaginado que a mesma havia ido conhecer a Via Láctea, ela havia sido levada por uma família, quando tiveram na Aldeia Santa Izabel do Morro, no município de Lagoa da Confusão no Estado de Tocantins.

Saindo da Aldeia aos 12 anos Anauerê, passou a ser empregada doméstica na casa de uma Família Torí, o que é uma prática de trabalho escravo infantil e justamente numa metrópole como São Paulo, no Bairro do Tatuapé, que é um nome de origem indígena.

Anauerê na entrevista rápida, prendeu a atenção de Marayny que parecia surpresa e chocada e seu pai Atoweá não saia como comportava em relação aquilo e ouvindo Anauerê falar que estava participando de lutas indígenas na cidade ficou mais conformado devido a já ter recebido os sinais de seus ancestrais que apontaram uma vastidão de lugares onde o indígena poderia chegar desde que buscasse agir no sentido da paz e da perseverança.

Passados muitos anos e a garota agora moça lembrara que iam umas pessoas brancas com máquinas fotográficas pesadas, pediam para elas sorrirem e escolhiam para levar para a Via Láctea apenas as que tivessem cabelos com franjas,dentes curtinhos, alvos e cerradinhos e lhes prometiam a si a a seus parentes um mundo novo, assim ela começava a pensar e interpretar que o ocorrido não fora apenas a Anauerê.

Na entrevista rápida Anauerê falava que fora abandonada pela família branca que a havia trazido para São Paulo, justamente pela recusa em fazer tanto trabalho, cozinhar, lavar, passar, cuidar do Jardim que era imenso, e ainda dormir num banheiro desativado, assim foi viver em situação de rua, mas conseguiu por sua própria forma de ser, o respeito aos demais parentes da rua que sabia de sua origem indígena, pois as vezes esses vêm de aldeias sob promessa de uma terra diferente e chega aqui depara com a realidade da Crackolândia e de espaços de convivência nas ruas da praça da Sé.

Anauerê revelava em sua entrevista que a condição dela estar em São Paulo e daquela forma social não a retira a condição de indígena, e que esses em várias situações aparecem cada dia mais a procura de atendimento de meia e de alta complexidade, ou até para estudos uma vez que vários territórios indígenas sequer possuem unidades de saúde e até mesmo escolas em seus diferentes níveis de ensino.

Percebia-se a intenção de Anauerê em denunciar que as visitas e explorações dos Torí em terras indígenas levam uma série de conseqüências a exemplo de epidemias, doenças em função da susceptibilidade dos indígenas ao contato com esses vírus.

Lembrava essa indígena que o retratista que foi lá tirar fotos delas e a trouxe para a cidade era uma pessoa que vivia adoentado, e pensava será que ele não deixou para traz

tanto problema? Denunciava na entrevista que o mesmo não honrou a palavra junto ao seus pais e sequer devolveu ela a sua comunidade.

Marayny Carajá tão logo encerrou a entrevista pediu ao seu pai para que levasse a de volta pois estava super preocupada com a prima Anauerê e que aquela história não poderia terminar ali.

Levaram os cinco litros de querosene em São Felix do Araguaia, daquele secos e molhados. para a aldeia e retornaram na Rural Willis de um amigo, e chegando na Ilha do Bananal e sem descansar Marayny foi direto para a Oca Grande e pediu às crianças para chamar todas as meninas da aldeia, suas mães que ela tinha uma história para contar e teria que ser naquela hora.

Um dos meninos subiu em um pé de jatobá e por ser leve foi o mais alto e tocou um apito de madeira significando convocação, só via lá de cima as mulheres saindo em direção a Oca Grande, Pajés e Caciques, jogadores, pescadores também se interessaram na conversa e ficaram ao lado da Oca Grande Omo se fossem guardiões, mas o interesse

era saber o que se tratava aquele chamado.

Marayny falou se seus sonhos e que havia falado com algumas meninas em relação a Via Láctea era simplesmente um sonho, e que aquele lugar imaginado não existia e isso for descoberto por ela em uma mercearia em São Félix do Araguaia lugar conhecido como secos e molhados, e que conheceu uma coisa falante e que aparecem gente, uma tal televisão e que o pior estaria por vir.

Todos de orelhas atentas as falas, ela revelou que na televisão teve um moço de roupa engomada e da mesma cor(terno) falava com Anauerê nossa parente e prima minha, sobre os motivos que ela estava vivendo na cidade e isso lhe assustava muito, mas a nossa parente não deixou de falar de nosso povo, dos motivos que fizeram seus pais a acreditar numa vida melhor para sua filha, da promessa de um fotógrafo que a levou, das falas de ter sido explorada na casa de família, da preocupação dela com todos nós mulheres indígenas

Descreveu o que sua prima revelou sobre a cidade, que dormia na rua, lugar de chão preto, muita poeira,, muita gente atordoado, alertou assim Marayny que a aldeia deveria estar mais fechada a esses senhores pois eles seqüestram os “índios” e as “índias” e lá nesses lugares os tratam mal, como seres inferiores, mostrava que entendeu o recado dado na entrevista por sua prima e ainda que aprendera a interpretar os sonhos e casar os mesmo com a realidade.

As mulheres e os homens ali presentes em grande número resolveram receber essa informação de Marayny como um alerta e como um chamado a organizar e buscar de volta sua parente abandonada no bairro do Tatuapé em São Paulo.

Decidiram descobrir onde estava Anauerê e ir buscar ela e se ela quisesse retornaria a Aldeia Santa Isabel do Morro, Marayny juntou recursos, conversou com o Serviço de Proteção ao Índio naquele local e junto a seu pai Atoweá, foram a capital paulista, mas a

indicação de residência não era mais o Tatuapé e sim passou a morar mais para a área central de São Paulo, bem próximo a estação de onde está o Metrô da Rodoviária do Tietê.

Ao chegar naquele local enfumaçado, cheio de árvores empoeiradas, com prédios gigantes, pareciam que iam cair em suas cabeças,, muitos carros, ônibus, barulho de sirenes das polícias e das ambulâncias, Marayny teve muitas vertigens, tonturas, assim como aconteceu com um amigo meu o Edmundo Omore Xavante, uma vez que foi visitar Ouro Preto nas Minas Gerais e ficou perplexo com aquele tanto de casa pendurada no morro, de inicio pediu ao motorista para deixar ele ali mesmo pois não seguiria a Mariana por ter sido alertado por seus ancestrais e decidiu voltar para Belo Horizonte.

Marayny, pode verificar o ambiente, as condições que sua prima vivia, num local íngreme e com esgoto a céu aberto, sem rio, com árvores secas e distantes uma da outra, quando ainda existiam, parecia muito com o inverso imaginário da Via Láctea.

As duas conversaram muito, tomando um café com cuscuz de flocão de milho, Marayny falava na língua Karajá do tronco Macro Jê para verificar até onde Anauerê preservara sua cultura, ficou feliz pois a prima estava falando fluente sua língua materna apesar de alguns tropeços, normal para quem ficara muito tempo ausente de algum para conversar nessa sua língua e que corre o risco de se perder se não forem repassadas a crianças, jovens, pois muitos anciãos já haviam ido para a Via Láctea.em Karajá, em português, faziam muitos gestos que aprenderam na infância

Mesmo misturando o português que já era falado pelas duas indígenas, elas conversaram e chegaram a uma conclusão, Anauerê não aceitou a retornar para a aldeia, mas decidiram pelo menos pedir aos anciãos, ao Cacique e às Pajés a benção e que elas fossem conduzidas ao posto de lideranças do Povo Karajá, seja na aldeia ou mesmo na cidade, firmando as duas e com a permissão do pai de Marayny, Atoweá e assim ao retornar aliviada e longe daquele lugar de barulho terrível.

Marayny estava super contente pelo papo com a prima, descobriu uma série de ocorrências tudo de perto e coisas que ela não sabia, por exemplo, que parte dos seus parentes que sonhava sempre que estavam na Via Láctea, foram chacinados pelos Torí, e por grupos indígenas tidos como rivais, mas na realidade eram cooptados e que muitas famílias que estavam sob risco de violência bruta migraram para outros locais como Belém, Leopoldina de Goiás, Belo Horizonte, Goiânia, Brasília, até em Manaus já chegavam indígenas Carajá/Karajá.

Muitos desses por questão de sobrevivência usavam a estratégia de negação étnica para terem sossego e não perderem suas vidas uma vez que o processo de colonização, catequização e genocídio estava em alta e muitos parentes morreram por força de aparatos de Bandeirantes, polícias e ou mesmo grupo rivais que eram incentivados pelos latifundiários que em nome da Lei de Terras usurpavam o local sagrado de moradia dos indígenas.

Destas descobertas, cada uma em sua localidade passou-se a condição de lideranças deste povo, passaram a associar as forças junto aos Pajés e as Pajés, aos anciãos e anciãs, as crianças e jovens e os Karajá passaram a romper com as dificuldades.

Um dos problemas graves detectados era o quantitativo de parentes adoentados, era preciso utiliza as ervas, caules, folhas, tubérculos, cascas das rica botânica, mas precisava haver uma atenção às doenças graves e as epidemias, romper com a visão romântica de que tudo se resumia a facilidade, a beleza da Ilha, pois a abundância estava dando lugar a escassez, tanto na caça, na pesca e na agricultura própria.

Precisavam urgente de uma nova estrutura de saúde que desse conta de responder com cura e cuidado imediato uma vez que pelas contas de Marayny mais da metade da aldeia já havia ido para a Via Láctea e tinha que dar um basta nessa situação.

Outro problema não menos importante era a infestação de grupos neo-pentecostais na aldeia. colocando medo nos indígenas, condenando seus costumes, suas celebrações próprias,sua cultura, seus rituais, suas músicas e danças, suas indumentárias seus grafismo e sua arte na cerâmica, esses missionários diziam que era pecado e que Deus iria punir com mortes e mais doenças. Diziam que a forma com que eles chamavam Deus como Tupã estava errado, a forma que cultuam não era espiritualidade e sim blasfêmia, que quem age assim com Deus era arruaceiro, pecador e que precisaria de salvação Divina e que somente eles conseguiriam fazer isso acontecer.

Muitos caíram nesse conto e a desavença que reinava, o canto da sereia estava impregnado naqueles jovens e adultos, mas Marayny chamou imediatamente suas forças e as forças da natureza em especial as estrelas, as constelações, a mãe lua (Jacy), que sempre as iluminaram naquela localidade em que o clarão dos céus é que iluminava a

aldeia para que os mesmos pudessem em volta de uma fogueira dançar e cantar agradecendo as obras de Tupã, e se juntando as estrelas propiciaram mas energia aquele povo que estava necessitado, e os Pirilampos, Vaga Lumes fortaleceram esses momentos de luz, também reforçados pela Via Láctea que não era uma mera imaginação. Passaram a viver em noites de luar brilhante na luz pálida das estrelas.

O Poder das estrelas contaminava aqueles corações envoltos a fogueira com galhos secos de angico, pitanga e canela, a fumaça já era um jeito de aspirar coisas boas para os pulmões e ainda nessas ocasiões que se percebia o quanto esse brilhante se parecia com luzes de cristais ou esmeraldas, os Karajá sempre apreciaram a cadeia estelar no Hemisfério Sul em determinados momentos do ano.

Eles contemplavam o horizonte norte e ao sul, viram quando brilhou em sua beleza mística a constelação do Cruzeiro do Sul. Órion estava no Zênite enquanto as Plêiades subiam em direção ao leste, e mergulhava bem devagar rumo ao oeste, muitas estrelas com luz líquida formavam fachos de luz enfileirados, Vênus, virada acima da Sirius e desenhavam ambas, um brilhante no céu. Nessa contemplação de tantas maravilhas não esqueceram um segundo que quem fez tudo isso foi Tupã, o Grande Espírito e nosso Criador e de todos os seres vivos humanos e inumanos

A sua dança era ritmada como letras de uma oração que às vezes eram bem silenciosas mas com firme intenção de agradecimento a imensidão daquela ilha que lhes proporcionava farta cadeia alimentar, de adoração e louvor ao grande espírito, e a provação de que ali também tinha a Eternidade, e ligação com outros seres, esses são maiores que um universo de starn que é um complexo de estrelas, pois, os seres aqui já estiveram vivendo e se multiplicam em todos nós.

Assim as religiões neopentecostais apossaram de pare da aldeia, catequizando, colocando medo nos indígenas, condenando seus rituais, sua forma de cultuar a espiritualidade que lhe é inerente, acusando este ou aquele de blasfêmia, de arruaceiros, pecadores, e que precisariam de salvação Divina, chegando a expressar que o Tupã tão falado não existia, e vários caíram nesse canto da Sereia, vários foram contaminados num amplo sentido da palavra.

A líder Marayny, de imediato chamou as forças da natureza em especial das estrelas, das constelações as quais sempre fitava naquela escuridão peculiar onde apenas o clarão do céu é que iluminava com auxílio de pirilampos, vagalumes e às vezes na mudança de localização de algumas estrelas, que pareciam rabo de cometas.

Foi lhe revelado que a saída para os problemas que foram levantados deveriam serem consultados aos encantados que não estavam ali naquele plano e nem apareciam para todas as pessoas, mas que tinha uma intimidade com tosos, eram seus protetores e abria caminhos na mata, nos rios, para que alertasse sobre quaisquer risco ou perigos a frente e assim poderiam desvencilhar de todos os males, se é que mal ou bem não era importante para eles.

Essa cosmologia Karajá é duradoura e Órion já apontara também que do ponto de vista das religiões não se deve ser intolerante, mas muito vigilante na linha do “Vigiai e sempre orai” para não deixar surgir novas guerras de ego, já chega os mortos por chacina em 1.929.

A conceituação étnica e de respeito é que indígena não tem religião, conhece a Deus por meio da natureza, de Pachamama, dos seres vivos, das rochas, das raízes, caule, folhas, galhos, das plantas e de suas cascas,dos diferentes animais, insetos e por isso permanecer na proteção extirpa o processo de apagamento que os Torí propiciam ao nosso povo. Essa é a essência da natureza a qual não pode ficar apenas sob responsabilidade de indígenas preservarem.

Marayny e Anauerê formaram grupos de parentes para pensar formas de superar os obstáculos, tornar seus iguais como protagonistas das lutas, principalmente no que se relaciona a sua arte e a sua cultura, e cada qual passara a conduzir suas histórias, elaborar as pautas comuns que atenderia individual e coletivamente seu povo, com muita democracia, ancestralidade, espiritualidade, festejos culturais, históricos e que elevaria ainda mais os Carajá como um povo de Contextos Urbanos e rural considerando suas aldeias em boa pare do Brasil.

Anauerê permaneceu na cidade, se inscreveu em uma Rede de Articulação de Indígenas em Contextos Urbanos e Migrantes, buscou toda forma de respeito a seu povo, questionou órgãos indígenas que nada faziam pelos indígenas na cidade, principalmente em relação a saúde, Ela deu passos amplos na sua liderança, sendo acolhida na Organização das Nações Unidas quando na oportunidade denunciou o abandono e a perseguição não somente de seus representados mas, vários grupos étnicos que viviam em inúmeras cidades nas cinco regiões do Brasil.

Já Marayny que rompeu com muitos estereótipos, com o machismo preponderante, pelo reconhecimento dos indígenas Karajá/Carajá foi ascendida a posição de PAJÉ de sua aldeia e muito referenciada e procurada pelos Avá canoeiros, pelos Tapirapé, pelos Xambioá, pelos povos ribeirinhos, por sua capacidade e entender as pessoas, de curar de alguns males, de articular com a medicina oficial do Sistema Único de Saúde, passou a ofertar ações e práticas integrativas e complementares baseada no conhecimento indígena, além de ajudar outros povos na luta pela demarcação de suas terras e territórios, contra a devastação das florestas e contra a mineração desenfreada e o garimpo irregular que tem causado mortes a indígenas nos vários cantos do país.

Dessa forma passaram a valorizar mais a agricultura familiar, produzir para o consumo próprio e para as escolas públicas, nesse reconhecimento mundial, passou a escrever textos em Karajá, em português, Inglês e Espanhol, passou a ser um elo de denuncias para além da Ilha do Bananal, não perdeu de encontrar com sua prima Anauerê nas Marchas de Mulheres Indígenas e nos Acampamento Terra Livre, onde participavam com um olhar bastante crítico e analítico em relação ao separatismo de indígenas de aldeias e de contextos urbanos, alimentado por uma estrutura que tinha financiamento internacional calcados em pessoas que adoravam ver p circo por aqui pegando fogo.

Com essas práticas das lideranças que ultrapassavam as duas primas, até a questão religiosa foi dando lugar, os pastores vendo seus negócios perderem rendimento, foram embora, suas edificações deram lugar a reconstrução de grandes Ocas como referência culturais e estética para a aldeia, tiveram a colaboração de estudantes indígenas da Universidades Federais de Goiás e a do Tocantins, assim redesenharam a nova aldeia, para que os indígenas estivessem vivendo o tão anunciado Bem Viver e isso também poderia ser considerado uma presença na via láctea..

Já nas cidades a situação não ficou diferente, a abertura política, a aceitação de que ali tinham indígenas, o financiamento de projetos de lei de incentivo à cultura, as cotas para acesso de indígenas ao ensino técnico e superior, a participação dos indígenas e Conselhos de Políticas Públicas, nos Conselhos Profissionais, nos Grêmios Estudantil e até a formação de alguns para disputar cadeiras parlamentares ou executivas foram significativas, assim o elo campo e cidade estava estabelecido. A tinta acabou e qualquer semelhança não será mera coincidência.
...

domingo, 6 de fevereiro de 2022

O recém nascido (conto) * Antonio Francisco Pereira / MG

 O RECÉM-NASCIDO

     Olá, bom dia!

     Eu nasci hoje, primeiro de janeiro, e espero ser bem recebido por todos.

     Ainda estou meio titubeante, sentindo os primeiros contatos e interpretando as primeiras sensações, mas já deu para perceber o clima festivo em torno de mim e fico feliz com isso. Até fogos eu ouvi.

     Agora sou o caçula de uma numerosa família mas, infelizmente, terei vida curta, como aconteceu com meus irmãos. Por isso, espero aproveitar bastante as boas coisas deste mundo, dar e receber só as melhores notícias, como o fim dessa pandemia que assolou a humanidade, levou muita gente querida, mas agora, com a vacinação, vem perdendo forças e fazendo menos vítimas. Ainda bem! 

     Mas estou um pouco apreensivo com outro acontecimento que certamente vou presenciar: as próximas eleições. Não sou tão inocente a ponto de desconhecer que os políticos brasileiros não estão mais no jardim de infância. Estão, sim, num ringue de luta livre, muitas vezes desferindo golpes baixos. Isso não é nada bom. Além do mau exemplo para os recém-nascidos, podem machucar também a plateia, ou seja, os eleitores.

     De qualquer forma, mesmo sem carnaval, eu estou otimista. Afinal, aqui no Brasil – gigante pela própria natureza -, eu nasci em berço esplêndido, onde a imagem do Cruzeiro resplandece.

     E há de resplandecer até 31 de dezembro, para que eu me despeça feliz e realizado.

     Por isso, eu confio em todos vocês. Assim, por favor, não me decepcionem.

     Meu nome é muito fácil de guardar. Meu nome é um número. 2022. Ano 2022.

     Então ... FELIZ ANO NOVO PARA TODOS!

    

 Antônio Francisco Pereira / MG